terça-feira, 8 de novembro de 2011

A Lei da Copa e os direitos dos consumidores

Consumidor x Copa

Como a Lei Geral da Copa pode comprometer os direitos do consumidor? Varella explica que, para o direito, a Fifa é uma fornecedora de produtos e serviços, e portanto deve respeitar a legislação brasileira, como o Código de Defesa do Consumidor. Com a lei da Copa, no entanto, ela se torna uma "superfornecedora": passa a ter poderes de definir todas as etapas relacionadas ao comércio de produtos da Copa. Isso significa que fica a critério da Fifa, por exemplo, devolver ou não o dinheiro de um ingresso caso o consumidor não queira mais assisitir a uma partida e até oferecer a "venda casada" - quando o consumidor precisa comprar um produto para ter direito a outro, que o código proíbe.

O Idec pede que os parlamentares tirem três pontos dos artigos 32 e 33 da Lei da Copa. Um desses pontos deixa a critério da Fifa as condições de devolução ou reembolso de ingressos. Na prática, isso significa que se uma partida for remarcada para uma outra sede e o torcedor desisitir de ir ver o jogo, a Fifa pode escolher como e quando reembolsar o torcedor. Outro ponto possibilita a venda casada de produtos, o que é considerado ilegal. A Fifa pode obrigar o torcedor a comprar um ingresso de pouca procura, com seleções de pouca expressão, para que ele consiga o ingresso do jogo que está interessado. Por fim, os artigos também anulam o chamado "direito de arrependimento": quando o consumidor compra um produto pela internet, ele tem até sete dias para se "arrepender" e devolver o produto sem custos. Com a lei da Fifa, o torcedor pode ser obrigado a pagar uma multa pela devolução.

O Idec também acusa o projeto de comprometer a liberdade de concorrência em espaços públicos nas cidades. Pelo texto, a Fifa tem a prerrogativa de explorar áreas comerciais nas vias de acesso e entornos dos estádios. Bares ou restaurantes que estejam próximos aos estádios, por exemplo, podem ser obrigado a comercializar apenas os produtos que patrocinam a Copa. "Nossa análise é que existe uma grande possibilidade de esse projeto ser inconstitucional. Os direitos do consumidor e a livre concorrência são preceitos constitucionais", diz Varella.

Meia entrada

Outro ponto polêmico diz respeito a lei da meia entrada. A Lei Geral é propositalmente omissa quando o assunto é permitir que estudantes e idosos paguem metade do ingresso para um evento cultural, porque esse tipo de lei é estadual, e não federal. Se a Lei Geral da Copa não mencionar a meia entrada, as leis estaduais não precisarão ser cumpridas. "Vamos tentar fazer um acordo", explica o deputado Vicente Cândido. "A interpretação atual é que essa questão é responsabilidade dos entes federados. Estou apostando em uma proposta de definir cotas com a Fifa, mas se não houver acordo, a decisão pode ficar para cada cidade sede".

Os parlamentares tentam conseguir um meio termo para não desagradar a Fifa e nem aqueles eleitores que se beneficiam da meia entrada. Uma das propostas colocadas na mesa é que as cidades sede arquem com os custos da metade do ingresso para idosos e estudantes. O secretário geral da Fifa, Jeróme Valcke, disse recentemente que a entidade deve aceitar manter a meia entrada para idosos, e até um programa para população de baixa renda, mas não deu garantias quanto aos ingressos para estudantes. Os outros pontos polêmicos, entretanto, não avançaram. A federação mostra impaciência com a demora da aprovação do projeto de lei, e também não ficou contente com as recentes declarações da presidente Dilma Rousseff. Dilma disse, em viagem à África do Sul, que não aceitaria um projeto que diminuisse os direitos da população. Na queda-de-braço entre governo e a Fifa, o mais provável é que os interesses da federação internacional se sobressaiam aos da população. O argumento mais forte em favor da Fifa foi explicitado, em entrevista a ÉPOCA, por Patrick Nelly, o homem que criou o modelo de negócio da Copa do Mundo: todas as exigências da Fifa estavam claras quando a entidade assinou o contrato com o Brasil. Se o país não quisesse ceder, não deveria ter se candidatado a sediar o torneio.

Alan Dagort, Flavia Krauspenhaar, Elvis J. Alves, Gregory N. Zuffo, Ivan Della Méa, Giordano Schneider de Oliveira, Stefano Martins Pereira.

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