Aplicação de multa superior a 10% nos contratos de locação
EMENTA: Locação. Multa moratória. Inaplicabilidade de Código de Defesa do Consumidor. Inexistência de lei específica que verse sobre o percentual máximo da cláusula penal moratória. Possibilidade de cobrança superior a 10%.
Antes de adentrarmos no tema propriamente dito, é necessário conceituar o instituto jurídico em torno do qual gira a discussão, qual seja, a cláusula penal. Destarte, cláusula penal é uma obrigação acessória que pode vir expressa ou não nos contratos (normalmente, é utilizado com extrema freqüência), cuja função é intimidar o devedor a cumprir com as obrigações avençadas.
Com efeito, num contrato de locação, geralmente, são encontradas as duas formas tradicionais de cláusula penal: a moratória (quando se estipula uma multa no caso do devedor atrasar o aluguel, por exemplo) e a compensatória (quando se estipula uma multa, no caso de infringência de qualquer das cláusulas do contrato, como por exemplo, desvio de uso do imóvel ou da coisa em geral, resolução antecipada etc.).
No caso em tela, trata-se da cláusula penal moratória. Nesse sentido, o presente parecer esclarece se um contrato de locação de imóvel urbano pode estabelecer multas superiores a 10% do valor do aluguel por atraso no pagamento.
Deveras, verifica-se que é muito comum haver dúvida sobre a possibilidade ou não de se estipular livremente o percentual de multa em cláusula penal moratória de um contrato de locação. Qual seria o limite para a multa: 2%, 10% ou não há limite legal?
Uma primeira corrente, baseando-se no Código de Defesa do Consumidor, entende que esta multa é de 2%, consoante art. 52, parágrafo 1º do referido diploma legal, in verbis:
Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre: § 1° As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação (redação dada pela Lei nº 9.298, de 01.08.1996).
Os contratos de locação, todavia, não envolvem relações de consumo. Antes, pois, eles são regidos por lei própria, a saber, a Lei 8245/91 (Lei do Inquilinato) – que dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes – razão por que o limite de 2% não pode ser imposto às relações entre locador e locatário, consoante entendimento do STJ:
"DIREITO CIVIL. LOCAÇÃO. DISPOSITIVO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. DISSÍDIO JURÍSPRUDENCIAL. NÃO DEMONSTRAÇÃO. O Código de Defesa do Consumidor não é aplicável aos contratos de locação, porquanto estes dispõem de regime legal próprio, além de faltar-lhes as características delineadoras da relação de consumo. Precedentes desta Corte. STJ - 6ª T. - Rel. Ministro Fernando Gonçalves - REsp. n.º 343.740-SP
Deste modo, procedendo a uma análise da Lei do Inquilinato a fim de verificar se ela contempla algum dispositivo acerca dessa questão, podemos constatar que a referida lei não estipula nenhum valor percentual para a cláusula penal moratória.
Nesse sentido, resta apelar para o Decreto 22.626/1933 (Lei da Usura), o qual dispõe sobre os juros nos contratos e dá outras providências. Esse decreto estabelece em seu artigo 9º o limite de 10% para a aplicação da multa moratória, in verbis:
Art. 9º. Não é válida a cláusula penal superior a importância de 10% do valor da dívida.
Esse decreto, no entanto, havia sido especialmente elaborado para regulamentar situações do Código Civil de 1916 e não do atual. Tanto é que o Código Civil de 2002 não faz nenhuma menção ao decreto, o que nos leva a crer que o referido decreto foi tacitamente revogado. Ademais, a norma não seria aplicável aos contratos de locação, uma vez que o art. 9º do Decreto 22.626 é aplicável somente para os contratos de mútuo, conforme jurisprudência do STJ, senão vejamos:
"CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO. MULTA MORATÓRIA CONTRATUAL. LEI DE USURA E CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE 1. A Lei de Usura (Decreto n.º 22.626/33) é aplicável somente aos contratos de mútuo, não podendo incidir sobre o contrato de locação para redução da multa moratória livremente convencionada entre o locador e o locatário. Outrossim, é entendimento pacífico no âmbito desta Corte Superior de Uniformização Infraconstitucional a não aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90, com a redação dada pelo art. 52, da Lei n.º 9.298/96) nos pactos locatícios, especialmente no que se refere à multa pelo atraso no pagamento do aluguel, já que firmados de forma diversa (livre convenção) e nos termos da legislação pertinente (Lei n.º 8.245/91). STJ - 5ª T. - Rel. Ministro Jorge Scartezzini - REsp. n.º 324.015/SP
Nestes termos, em face do exposto, podemos concluir que o ordenamento jurídico brasileiro não especifica nenhum percentual máximo para a cláusula penal, razão por que pode, sim, ser fixada multa superior a 10%, desde que ela não ultrapasse o valor da obrigação principal, conforme dispõe o art. 412 do CC/02, in verbis:
Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal.
Cumpre salientar ainda que o juiz pode reduzir a multa se entendê-la excessivamente onerosa, de acordo com o art. 413 do CC/02, in verbis:
Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.
Postador por:
Daise Mota, Guaraci Alexandre, José Jorge, Edianari Almeida e Carlos Nicollas.
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