quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO DIREITO DO CONSUMIDOR

A Inversão do Ônus da Prova



1. Introdução

Dentro do contexto de assegurar a efetiva proteção ao consumidor, o legislador outorgou a inversão, em seu favor, do ônus da prova. Cuida-se do benefício previsto no rol dos direitos básicos previstos no art. 6°, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, constituindo-se em uma das espécies do gênero “facilitação da defesa de direitos” que a legislação objetivou endereçar ao consumidor.

Dispõe esse dispositivo legal que é direito básico do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias da experiência.

Dessa forma, no que respeita à questão da produção das provas no processo civil, o CDC é o ponto de partida, aplicando-se de forma complementar, as regras do Código de Processo Civil (arts. 332 a 443).

Entender, então, a produção de provas em casos que envolvam as relações de consumo é compreender toda a principologia da Lei 8.078, que pressupõe, entre outros princípios e normas, a vulnerabilidade do consumidor, sua hipossuficiência (especialmente técnica e de informação, mas também econômica), o plano geral da responsabilização do fornecedor, que é de natureza objetiva etc.

E a produção dessa prova preliminar necessária se fará pelas regras do Código de Processo Civil, a partir dos princípios e regras estabelecidos no CDC.

Todavia, também essa prova, como qualquer outra que tiver de ser produzida, deverá guiar-se pelo que está estabelecido no art. 6°, VII, do CDC.

2. Critério do Juiz

Além do que já foi retromencionado, consigne-se que em matéria de produção de prova o legislador, ao dispor que é direito básico do consumidor a inversão do ônus da prova, o que fez para que, no processo civil, concretamente instaurado, o juiz observasse a regra.

E a observância de tal regra ficou destinada à decisão do juiz, segundo seu critério e sempre que se verificasse a verossimilhança das alegações do consumidor ou sua hipossuficiência.

Para entender o sentido do pretendido pela lei consumerista é preciso primeiro compreender o significado do substantivo “critério”, bem como o uso da conjunção alternativa “ou”.

O substantivo “critério” há de ser avaliado pelo valor semântico comum, que já permite a compreensão de sua amplitude.
Agir com critério não tem nada de subjetivo. “Critério” é aquilo que serve de base de comparação, julgamento ou apreciação; é o princípio que permite distinguir o erro da verdade ou, em última instância, aquilo que permite medir o discernimento ou a prudência de quem age sob esse parâmetro.

No processo civil, como é sabido, o juiz não age com discricionariedade (que é medida pela conveniência e oportunidade da decisão). Age sempre dentro da legalidade, fundando sua decisão em bases objetivas.

O que a lei processual lhe outorga são certas concessões, como acontece na fixação de prazos judiciais na hipótese do art. 13° ou do art. 491, ambos do Código de Processo Civil.

Assim, na hipótese do art. 6°, VIII, do CDC, cabe ao juiz decidir pela inversão do ônus da prova se for verossímil a alegação ou hipossuficiente o consumidor.

Vale dizer, deverá o magistrado determinar a inversão. E esta se dará pela decisão entre duas alternativas: verossimilhança das alegações ou hipossuficiência. Presente umas das duas, está o magistrado obrigado a inverter o ônus da prova.

3. Verossimilhança das alegações

É fato que o vocábulo “verossímil” é indeterminado, mas isso não impede que da análise do caso concreto não se possa aferir verossimilhança.

Para sua avaliação não é suficiente, é verdade, a boa redação da petição inicial. Não se trata apenas do bom uso da técnica de argumentação que muitos profissionais têm. Isto é, não basta apenas relatar fatos e conectá-los logicamente ao direito, de modo a produzir uma boa peça exordial.

É necessário que da narrativa decorra verossimilhança tal que naquele momento da leitura se possa aferir, desde logo, forte conteúdo persuasivo. E, já que se trata de medida extrema, deve o juiz aguardar a peça de defesa para verificar o grau de verossimilhança na relação com os elementos trazidos pela contestação. E é essa a teleologia da norma, uma vez que o final da proposição a reforça, ao estabelecer que a base são “as regras ordinárias de experiência”. Ou, em outros termos, terá o magistrado de se servir dos elementos apresentados na composição do que usualmente é aceito como verossímil.

É fato que a narrativa interpretativa que se faz da norma é um tanto abstrata, mas não há alternativa, porquanto o legislador se utilizou de termos vagos e imprecisos (“regras ordinárias de experiência”). Cai-se, então, de volta ao aspecto da razoabilidade e, evidentemente, do bom senso que deve ter todo juiz.

4. Hipossuficiência

O termo em pauta, na verdade, foi tomado por empréstimo pelos autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor da doutrina do Direito do Trabalho, que assim considera o detentor da força de trabalho, economicamente frágil, em face do detentor de capital, seu empregador, que detém o poder de subordinação.

O significado de hipossuficiência do texto do preceito normativo do CDC não é econômico, é técnico.

A vulnerabilidade é o conceito que afirma a fragilidade econômica do consumidor e também técnica. Mas hipossuficiência, para fins da possibilidade de inversão do ônus da prova, tem sentido de desconhecimento técnico e informativo do produto e do serviço, de suas propriedades, de seu funcionamento vital e/ou intrínseco, de sua distribuição, dos modos especiais de controle, dos aspectos que podem ter gerado o acidente de consumo e o dano, das características do vício, etc.

Por isso, o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor para fins de inversão do ônus da prova não pode ser visto como forma de proteção ao mais “pobre”. Ou, em outras palavras, não é por ser “pobre” que deve ser beneficiado com a inversão do ônus da prova, até porque a questão da produção da prova é processual, e a condição econômica do consumidor diz respeito ao direito material.

Na realidade, para beneficiar o caráter econômico no processo não seria necessária a inversão. Bastaria a determinação judicial de que o fornecedor arcasse com eventuais custas processuais para a produção de provas, tais como periciais. Determinar-se-ia a inversão do pagamento, ou seja, o consumidor produz a prova e o fornecedor a paga, e aí sim estar-se-ia protegendo, de forma justa, o economicamente fraco.

Não se pode olvidar que, para os “pobres” na acepção jurídica do termo, existe a justiça gratuita, a qual permite ao beneficiário a isenção do pagamento das custas judiciais, o que não significa que ele está isento de provar o seu direito.

Assim, se a questão for meramente de falta de capacidade financeira de suportar o custo do processo, basta o consumidor servir-se do benefício legal da Lei de Assistência Judiciária, n°. 1060/50.

E o inverso é verdadeiro: existem consumidores economicamente poderosos, o que não implica a sua não-hipossuficiência técnica. Mas, mesmo no caso de o consumidor ter grande capacidade econômica, a inversão do ônus da prova deve ser feita na constatação de sua hipossuficiência (Técnica e de informação).

5. Momento de inversão

Há polêmica em torno do momento processual no qual o magistrado deverá decidir a respeito da inversão do ônus da prova, mas, em nossa opinião, como se verá, esta é fruto de falta de rigorismo lógico e teleológico do sistema processual instaurado pela Lei 8.078 e ainda resquícios da memória privatista do regime do processo civil tradicional.

Com efeito, os que entendem que o momento de aplicação da regra de inversão do ônus da prova é do julgamento da causa, alinham o pensamento com s distribuição do ônus da prova do art. 333 do Código de Processo Civil e não com aquela instituída no CDC.

É que as partes litigam no processo civil, fora da relação de consumo, têm clareza da distribuição do ônus. Ou, melhor dizendo, os advogados das partes sabem de antemão a quem compete o ônus da produção da prova.

O art. 333 da lei adjetiva preceitua, in verbis:

“Art. 333. O ônus da prova incube:
I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II – Ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor”.

É, portanto, distribuição legal do ônus que se faz, sem sombra de dúvida. E, claro, nesse caso não precisa o juiz fazer qualquer declaração a respeito da distribuição do gravame. Basta levá-lo em consideração no momento de julgar a demanda. Não haverá, na hipótese, qualquer surpresa para as partes, porquanto elas sempre souberam a quem competia a desincumbência da produção da prova.

Ora, não é essa a certeza que se verifica no sistema da lei consumerista. No CDC a inversão não é automática.

A inversão se dá por decisão do juiz diante de alternativas postas pela norma: ele inverterá o ônus da prova se for verossímil a alegação ou se for hipossuficiente o consumidor.

É que pode acontecer de nenhuma das hipóteses estar presente: nem verossímeis as alegações nem hipossuficiente o consumidor.

A verossimilhança é conceito jurídico indeterminado. Depende de avaliação objetiva do caso concreto e da aplicação de regras e máximas da experiência para o pronunciamento.

Ou seja, é preciso que o juiz se manifeste no processo para saber se o elemento da verossimilhança está presente.

Da mesma maneira, a hipossuficiência depende do reconhecimento expresso do magistrado no caso concreto. É que o desconhecimento técnico e de informação capaz de gerar a inversão tem de estar colocado no feito sub judice. São as circunstâncias do problema aventado e em torno do qual o objeto da ação gira que determinarão se há ou não hipossuficiência. Pode muito bem ser caso de consumidor engenheiro que tinha condições claras de conhecer o funcionamento do produto, de modo a ilidir a sua presumida hipossuficiência. Como pode também se engenheiro e ainda assim, para o caso, constatar-se sua hipossuficiência.

Ou seja, é preciso que o juiz se manifeste no processo para saber se a hipossuficiência foi reconhecida.

E, já que é assim, o momento processual mais adequado para a decisão sobre a inversão do ônus da prova é o situado entre o pedido inicial e o saneador. Na maior parte dos casos a fase processual posterior á contestação e na qual se prepara a fase instrutória, indo até p saneador, ou neste, será o melhor momento.

Sendo assim, verifica-se que não há qualquer sentido, diante da norma do CDC, que não gera inversão automática (à exceção do art. 38) que o magistrado venha a decidir apenas na sentença a respeito da inversão, como se fosse uma surpresa a ser revelada para as partes.

Há, também, a importante questão do destinatário da norma estatuída no inciso VIII do art. 6°.

Embora essa norma trate da distribuição do ônus processual de provar dirigido às partes, ela é mista no sentido de determinar que o juiz expressamente decida e declare de qual das partes é o ônus.

Como a lei não estipula a priori quem está obrigado a se desonerar e a fixação do ônus depende da constatação da verossimilhança ou hipossuficiência, o magistrado está obrigado a se manifestar antes da verificação da desincumbência, porquanto é ele que dirá se é ou não caso de inversão.

6. O ônus econômico

Examine-se, agora, a questão do ônus econômico da produção da prova, como a pericial.

Se ficasse para a sentença a resolução e se o juiz decidisse que não havia nem verossimilhança nem hipossuficiência do consumidor e que este, portanto,teria de ter produzido prova pericial e não o fez porque não tinha dinheiro para adiantar os honorários provisórios do perito, estaríamos diante de um absurdo.

Esse outro fato corrobora nosso entendimento nos sentido de que a inversão deve ser decidida até ou no saneador, com o seguinte acréscimo: sendo invertido o ônus da prova, quem deve arcar com o custo do adiantamento das despesas, por exemplo, relativas à perícia? Qual parte deve arcar com o adiantamento dos honorários do perito judicial?

Ora, a resposta salta aos olhos: se o sistema legal protecionista cria norma que obriga à inversão do ônus da prova, como é que se poderia determinar o que o consumidor pagasse as despesas ou honorários?

Uma vez determinada a inversão, o ônus econômico da produção da prova tem de ser da parte sobre a qual recai o ônus processual. Caso contrário, estar-se-ia dando com uma mão e tirando com a outra.

Se a norma prevê que o ônus da prova pode ser invertido, então automaticamente vai junto para a outra parte a obrigação de proporcionar os meios para a sua produção, sob pena de, obviamente, arcar com o ônus de sua não-produção.

Se assim não fosse, instaurar-se-ia uma incrível contradição: o ônus da prova seria do réu, e o ônus econômico seria do autor (consumidor).Como este não tem poder econômico, não poderia produzir a prova.

Anote-se, em acréscimo, que, em matéria de perícia técnica, o grande ônus é econômico, relativo ao pagamento de honorários e despesas do perito e do assistente técnico.

Corrobora com nosso entendimento, a decisão da 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, que dispôs que “o deferimento da inversão do ônus da prova deverá ocorrer entre o ajuizamento da demanda e o despacho saneador, sob pena de se configurar prejuízo para defesa do réu”.

Referências Bibliográficas

Nunes, Luiz Antônio Rizzato. Curso de Direito do consumidor – 2. ed. rev. modif. E atual. – São Paulo: Saraiva, 2005.

Filomeno, José Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor – 9. ed. – São Paulo: Atlas, 2007.

Slmeida, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor – 4. ed. – São Paulo: Saraiva, 2005.

Miragem, Brino. Direito do Consumidor: fundamentos do direito do consumidor; Direito material e processual do consumidor; Proteção administrativa do consumidor; Direito penal do consumidor. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
Postado por: Desângela, Darlene, Maria eugênia, Fernanda fuezi e Judi sancho
Faculdade FACET- Turma DIN 10.2

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