Em Itajubá, no sul de Minas - além de motivar uma mudança da Nestlé do Brasil que beneficiará a muitos consumidores - uma secretária de 48 anos receberá indenização de R$ 15.889,20.
A reparação por danos morais (R$ 15.000) e materiais (R$ 889,20), fixada pelo TJ mineiro, deveu-se ao fato de a mulher ter consumido bombons de uma caixa cuja embalagem não trazia o alerta de que os produtos continham glúten. A consumidora sofre da doença celíaca, com intolerância permanente ao glúten, uma proteína de origem vegetal.
De acordo com a secretária, em julho de 2002 ela comprou uma caixa de bombons Especialidades Nestlé. Examinando a embalagem externa que apresenta a descrição da composição de cada bombom, ela não encontrou referência à presença da proteína nos chocolates Chokito e Crunch, razão pela qual fez a compra e, depois, a ingestão.
Só acidentalmente ela descobriu, pela leitura do rótulo unitário, que havia glúten em ambos os bombons. “Eu estava distraída, brincando com os papeizinhos, quando li a embalagem”, relatou.
Como a ingestão de glúten desencadeou novamente a doença celíaca, antes sob controle graças a restrições alimentares, a mulher declarou sofrer “mal-estar constante acompanhado por enjôos, formação de gases e intensas diarréias”. A.M.J. (iniciais da consumidora) enfatizou que, além disso, desenvolveu uma inflamação do duodeno.
Segundo a Associação dos Celíacos do Brasil, “o único tratamento para a doença consiste na dieta isenta de glúten por toda a vida”. A determinação de que todas as empresas alimentícias cujos produtos contenham glúten informem a presença da proteína foi estabelecida pela Lei nº 8543/92.
A lesada entrou em contato com o Serviço de Atendimento ao Consumidor da Nestlé, não só para ser compensada, mas porque temia o que poderia acontecer a outros alérgicos. A empresa orientou-a a procurar um médico, providenciar o tratamento necessário e enviar o laudo e os recibos para reembolso das despesas efetuadas até então.
No entanto, ao enviar a solicitação de reembolso, no valor de R$ 899,20, a consumidora foi informada de que "para ter direito ao pagamento da quantia, teria de assinar uma declaração comprometendo-se a jamais reclamar em juízo da Nestlé", condição sem a qual ela nada receberia.
Mesmo vendo-se em dificuldades financeiras à época, a secretária tentou retirar do contrato as cláusulas proibindo a divulgação. Ela alegou que foi pressionada pela nutricionista da empresa a aceitar o acordo e encerrar a questão. A recusa de cada uma das partes em ceder, entretanto, levou a paciente alérgica a buscar o Procon.
A coordenadora do Procon de Itajubá (MG), Maria Luiza Yokogawa, dirigiu-se ao Mercadinho Ferreira - onde fora feita a compra - e apreendeu duas caixas do produto com mesmo lote e prazo de validade. Verificando que as informações relativas ao glúten não constavam da embalagem e que a análise da Fundação Ezequiel Dias qualificou o invólucro do produto como "inadequado", o Procon instaurou processo administrativo contra a Nestlé e condenou a multinacional ao pagamento de multa de R$ 105.972,59.
A companhia recorreu da decisão, mas a Secretaria do Governo de Itajubá manteve a punição, deferindo, contudo, a redução do montante a pagar.
Diante da recusa da empresa em ressarci-la, a consumidora ajuizou ação em 30 de setembro de 2003. O juiz Willys Vilas Boas, da 3ª Vara Cível de Itajubá, proferiu em 26 de maio de 2006 sentença que rejeitou os argumentos da Nestlé de que "a culpa era exclusiva da vítima, que para saber da presença do glúten ´basta saber ler´ e que o dano tinha como única causa a própria responsabilidade da mulher".
A Nestlé recorreu, afirmando que “a presença de glúten nos bombons em questão é de 20 partes por bilhão, sendo, portanto, praticamente irrelevante e consistindo em traços ínfimos da substância, resultantes de eventual contaminação de um grão por outro".
A medida de divulgar a existência de glúten seria apenas uma precaução, porque as máquinas utilizadas para processamento dos flocos de arroz, que estão presentes no Crunch e no Chokito e não contêm glúten, são empregadas também para processar cereais cuja composição inclui a proteína prejudicial aos celíacos.
Na segunda instância, o desembargador Alberto Aluízio Pacheco de Andrade, da 10ª Câmara Cível do TJ-MG, manteve a condenação, negando provimento à Nestlé, pois entendeu que “ficou caracterizado o vício oculto”.
Para o relator, “a ausência de advertência da existência de glúten entre os ingredientes do produto levou a autora a consumir o produto e deflagrou os sintomas da doença. Isso caracteriza ocorrência de dano moral passível de indenização”.
* Tramitação em primeiro grau:
Proc. nº 032403014500-1, da 3ª Vara Cível de Itajubá
* Tramitação em segundo grau:
Proc. nº 1.0324.03.014500-1/001 , da 10ª Câmara Cível
Relator no TJ-MG: Alberto Aluízio Pacheco de Andrade
* Advogado da autora: Marcos Antonio de Olivas
Fonte: http://www.espacovital.com.br/noticia_ler.php?id=16022
Angelita
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