quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Possibilidade jurídica de indeferimento da colação de grau de alunos inadimplentes com base no artigo 476 do Código Civil

Ref.: Parecer acerca da possibilidade jurídica de indeferimento da colação de grau de alunos inadimplentes com base no artigo 476 do Código Civil


EMENTA: Estabelecimento de ensino. Nível superior. Indeferimento da colação de grau de alunos inadimplentes. Legislação que versa sobre o tema. Impossibilidade Jurídica.


1. Lei federal nº 9.870 de 23 de novembro de 1999 versus art. 476, Código Civil
O ato de colar grau é uma formalidade integrante das atividades de conclusão do curso. A referida lei, que dispõe sobre as anuidades escolares, ao tratar da matéria consagrou em seu art.6º a obrigatoriedade em que incorrem as Instituições de ensino no que tange ao fornecimento de documentos escolares dos discentes sempre que solicitado, ainda que inadimplentes.

Art. 6o São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias.

O legislador expressamente proibiu as Instituições de Ensino de reter documentos escolares dos alunos, ainda que inadimplentes.

Registre-se que na parte final do artigo estão asseguradas às Instituições as ferramentas, os meios administrativos e legais, estabelecidos no Código Civil. Todavia, a lei 9.870 foi redigida em 1999, antes da vigência do novo código civil (2002), e os artigos mencionados correspondem aos atuais 206 e 476 do Novo Código Civil.

1.1 Art. 476, CC

O art. 476 do atual Código Civil consagra o princípio do exceptio non adimpleti contractus, segundo o qual ninguém pode exigir que uma parte cumpra com sua obrigação antes de cumprir a própria, in verbis:

Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.

A razão de ser desta prerrogativa é a proteção do sinalagma contratual, ou seja, o equilíbrio entre as prestações e seus respectivos benefícios e ônus para as partes signatárias. Ademais, cumpre salientar que todo contrato há de se fundar na boa-fé e na probidade, tendo sempre em vista seu cumprimento total, e não parcial.

Com fulcro no art. 476 do Código Civil Brasileiro, a UNIJORGE não estaria, em tese, obrigada a liberar a colação de grau ao aluno inadimplente, uma que vez que ele não cumpriu sua parte no contrato firmado com tal entidade, qual seja, o adimplemento da sua obrigação de efetuar o pagamento das parcelas da semestralidade. Sucede, todavia, que esse entendimento não tem sido aceito pelos tribunais, como se verá adiante.


2. Hermenêutica Jurídica

Diante da proibição legal expressa do art. 6º da Lei 9.870/99, e o princípio segundo o qual ninguém pode exigir que uma parte cumpra com sua obrigação antes de cumprir a própria, consagrado no art. 476 do Código Civil, o que se verifica é um conflito de normas.

Por um lado, tem-se o código civil que desobriga a parte a cumprir com sua obrigação uma vez que a outra parte descumpriu a sua. Por outro lado, o legislador, em norma especial que trata das anuidades escolares, expressamente proibiu as Instituições de Ensino de reterem documentos escolares, dentre os quais se insere o diploma, por motivo de inadimplência.

Dessa forma, será necessário recorrer a hermenêutica jurídica, ciência que fornece a técnica e princípios segundo os quais o operador do direito poderá, com fundamento no sentido social e jurídico da norma, equilibrar as normas e aplicá-las no caso concreto; e segundo a qual, lei especial prevalece, cede lugar, à lei geral.

No caso concreto, a norma contida no código civil (lei geral) deixa de ser aplicada, para considerar-se o disposto na Lei 9.870/99 (lei especial).

3. Código de defesa do Consumidor

Com efeito, não se pode olvidar que contrato de prestação de serviços educacionais, como qualquer outro que trata da prestação de serviços na seara das relações de consumo, está adstrito às normas prescritas no Código de Defesa do Consumidor, diploma legal que tutela as relações desta espécie.

O referido contrato de prestação de serviços educacionais trata-se de contrato de adesão, e está adstrito à normatização prevista no Código de defesa do Consumidor, art. 54, e não ao Código Civil.

Daí, submete-se à proibição constante do art. 42 do referido diploma legal, in verbis:

Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.


Nesse sentido, posiciona-se a jurisprudência pátria, senão vejamos:
ENSINO SUPERIOR. COLAÇÃO DE GRAU OBSTADA POR MOTIVO DE INADIMPLEMENTO COM MENSALIDADES ESCOLARES. ILEGALIDADE DO ATO. 1. Norma legal proibitiva da suspensão de provas, retenção de documentos, inclusive os de transferência, ou aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento de mensalidades escolares, dispondo as instituições de ensino de instrumentos próprios para a cobrança dos valores que entende devidos. 2. Ilegitimidade do ato que, sob fundamento de inadimplência, obsta a colação de grau de aluna concludente do curso de Direito. 3. Remessa oficial que se nega provimento. Mandado de Segurança nº 2000.01.00.054970-2 de Tribunal Regional Federal da 1a Região, de 07 Março 2001.
ESTABELECIMENTO DE ENSINO - ESCOLA PARTICULAR DE NÍVEL SUPERIOR - Colação de grau obstada como forma de sanear a inadimplência de alunos. Inadmissibilidade. Direito destes à educação livre de pressões ou sanções que possam comprometer o processo educativo, dispondo a credora de meios legais para cobrança das prestações que entende devidas. Inadimplemento ou mora, ademais, inexistente em princípio, eis que resultantes os valores das mensalidades escolares de reajuste reputado ilegal por decisão judicial que, ainda que sujeita a recurso, confere direito à execução provisória, mesmo porque sem efeito suspensivo a apelação, e pendente de julgamento ação de consignação em pagamento. Inaplicabilidade do art. 1.092 do CC. MS mantido. (TJSP - Ap. 127.101-1 - 2ª C. - Rel. Des. Urbano Ruiz - J. 05.04.91) (RT 670/71)


Conclusão
Em face do exposto, pode-se afirmar que a IE, em que pese a existência de uma nova tese pautada no art. 476 do Código Civil, pela qual é lícito às Instituições de Ensino obstar a colação de grau de aluno inadimplente, não detém a prerrogativa de reter quaisquer documentos em razão da vedação expressa contida em legislação específica que regulamenta a matéria.

A nova tese lastreada no Código Civil admite que nos contratos bilaterais nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro não tem reconhecimento na jurisprudência pátria.

Por conseguinte, nos inclinamos favoravelmente à liberação do diploma, lembrando que o descumprimento da obrigatoriedade legal em comento pode ser encarado pelo Poder Judiciário como prática abusiva, resultando daí a responsabilidade em arcar com os prejuízos porventura experimentados pelo discente, notadamente, a indenização por supostos danos morais.


Todavia, cabe à administração a definição acerca do tema, considerando o risco de demandas judiciais apontados e o posicionamento da jurisprudência atual.

Postador por:  Daise Mota, José Jorge, Guaraci Alexandre, Edianari ALmeida e Carlos Niccollas e Wilson Bueno

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